domingo, 28 de setembro de 2014

Balada dos telhados de Lisboa


Balada dos telhados de Lisboa

Telhados da minha cidade
Com as gaivotas a gritar
Avisos de tempestade
Lá para dentro do mar.
Que o mar à nossa frente
É mais a figura de estilo
Mar da palha e da gente
Só no Verão está tranquilo.
Rompe defesas no Inverno
Traz a palha dos animais
Para o estuário moderno
Que vive de outros sinais.
Que vive de outras medidas
Sem fragatas nem faluas
As pontes de ferro erguidas
Enchem de carros as ruas.
E digo adeus aos telhados
Da cidade debruçada
Sobre vapores lembrados
Numa memória de nada.

José do Carmo Francisco 
  
 (A fotografia é de Luís Eme)

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Canção breve para «Canção para Carlos Paredes» de Luísa Amaro


Canção breve para «Canção para Carlos Paredes» de Luísa Amaro

Vem a melodia precisa
Em escala de Primavera
Que surpresa de Luísa
Ouvido que não espera

Quando era só companhia
Da guitarra grande a voar
Apenas olhava e ouvia
Na vertical do meu lugar

De «Devaneios flutuantes»
Ao «Jogral» já encantado
Juntando mundos distantes
Num som puro, imaculado

São raízes, são razões
Dum rio que vem dizer
A letra destas canções
Na pronúncia de mulher

Com Luísa de surpresa
Som numa nave central
A guitarra portuguesa
Faz da igreja a catedral

Tal como numa oração
Junta mundos dispersos
Para fazer uma canção
Já não precisa de versos

Basta-lhe ritmo, vertigem
Duma escala musical
Para chegar à origem
Do som que é Portugal

José do Carmo Francisco 

(Fotografia de autor desconhecido)   


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Poema sem direcção nem código postal (sobre foto de Valter Vinagre)


Poema sem direcção nem código postal (sobre foto de Valter Vinagre)

A rua onde te encontrei de raspão
A sair e a entrar de um autocarro
Foi rio de lavadeiras de sabão e pedra
E canções de galeras velozes na estrada.
Hoje estou arrependido de ter dito adeus
Tão depressa entre as duas portas de fole
Sem tempo para pedir a tua direcção actual
E o código postal respectivo e obrigatório.
A vida é um mistério, nunca um negócio
Quarenta e oito anos depois fiquei calado
Quando deveria falar de moradas e de ruas
E dar-te ao mesmo tempo o meu telemóvel.  
A estrada onde foi outrora uma ribeira limpa
Com lavadeiras a cantar nas manhãs de sol
É o mesmo lugar cento e quarenta anos depois
Quando o nome de Sete Rios se justificava.
Perdi teu nome todo na porta do autocarro
O mesmo nome que como o meu num repique
Se seguiu a um baptizado na mesma pia sagrada
Da igreja paroquial da fotografia a preto e branco.

José do Carmo Francisco 

(Fotografia de Valter Vinagre)