quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Poema em prosa para a mulher-menina em Dezembro


Poema em prosa para a mulher-menina em Dezembro

No teu olhar é sempre manhã.
Chegaste em Julho, estamos em Dezembro e os dias continuam cheios de luz como no Verão. No meio da neblina da noite, as luzes do outro lado da Lagoa são sentinelas a lembrar os bisonhos soldados de 1972 a fazerem a semana de campo do RI5 deste lado da Lagoa sem receio de nada porque onde hoje estão as casas de 2016 só havia solidão, silêncio e arvoredo sossegado.
Os teus passos separam a terra da água. De um lado legumes e saladas; do outro carne, peixe e marisco. Tal como há 60 anos o vinho e o colorau dão colorido e forma apetitosa ao berbigão fresco que enche o prato entre o verde da salsa e o branco do pão.
Frente à Lagoa ouve-se e pressente-se o ritmo das ondas do Oceano. De sete em sete, uma onda maior arrasta a espuma até ao meio da grande duna de areia que o vento fez crescer. Não sei o teu nome nem nunca saberei mas vejo no teu perfil de mulher-menina o assombro dos primeiros homens que (diz a lenda antiga) terão visto a primeira mulher no Mediterrâneo. Entre o espanto e o fascínio «Mariam» lhe chamaram mas os posteriores desvios semânticos acabaram por dar «Maria».
O teu rosto celebra a liturgia da abundância nos menus diferentes, na frescura das saladas ao lado do calor do forno a perdurar nos pratos mais elaborados. Mesmo quando fechas a porta a sorrir, ficamos a saber que horas depois a alegria recomeça nas mesas limpas, nos copos luminosos, nos talheres limpos à espera da festa que se repete mas não deixa de ser nova todos os dias.
No teu olhar é sempre manhã.

José do Carmo Francisco       

(Fotografia de Luís Eme)

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