segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Balada para o teu pesa-papéis


Balada para o teu pesa-papéis

Não posso dizer, como no famoso poema que a pedra estava «no meio do caminho» porque ela estava, de facto, à beira do caminho. Era um caminho de cabras e de pastores, algures entre Proença-a-Nova e Oleiros, numa tarde de sábado a arrastar os meus sapatos voltados para o pó e os meus pensamentos voltados para ti.
Sei que tens uma secretária onde um carteiro pontual deposita paulatinamente envelopes com toda a espécie de documentos: facturas, recibos, ofícios, extractos de conta, papéis diversos. Então lembrei-me de ti e da tua secretária sempre povoada de papéis. Urge domesticar e organizar esses papéis contra o vento da Serra de Sintra que aparece quando tu abres a janela lateral para um pouco de sol ou de fresco.
Esta é uma pedra com milhares (ou talvez milhões) de anos, tem no seu dorso infinitas horas de sol e tantos hectolitros de chuva que ninguém pode medir ou, sequer, calcular. Esta é uma pedra que transporta consigo o cheiro da terra, o peso do seu silêncio, a cor que fielmente reproduz para nós a sua origem a partir da erosão de uma outra pedra. Uma pedra muito anterior a nós. Grande, quieta e inicial.
Esta é uma pedra especial. Eu trouxe-a para a tua mão a conduzir no tampo da secretária como uma peça de xadrez, como um retrato, como um pesa-papéis.

Na verdade trata-se de algo mais do que um simples pesa-papéis. Trata-se de um retrato da terra. Nele sentirás o frio e o calor, o sol e a chuva, o pó do vento e a água das valetas. Tudo isto foi concentrado nesta pequena pedra por mim trazida de um caminho de cabras e de pastores, no meio dos pinheiros, algures entre Proença-a-Nova e Oleiros.  

José do Carmo Francisco
          
(Óleo de Manuel Garcia Rodriguez)

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